sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Sobre médias e mediocridades

Este texto, de Gustavo Ioschepe, publicado na Revista Veja de 29 de agosto, deveria ser, obrigatoriamente, lido por todos, principalmente os professores e profissionais envolvidos na Educação. Reflete claramente o comportamento da maioria das pessoas que busca sempre a "média".
Nunca esqueço o dia em que uma pessoa, muito próxima a mim, descobriu que "medíocre" é mediano, é a "média". Pareceu estranho, porque medíocre, no seu entender, é uma coisa pejorativa, vulgar. E médio, não o é?
Se contentar com a média 05 em uma avaliação escolar, quando você pode tirar 10, não é, antes de tudo, ser desonesto consigo mesmo? E esse "poder tirar 10" não está vinculado com ser mais inteligente, mas mais dedicado; com estudar buscando conhecimentos e não apenas passar de ano.
Cansei de ouvir críticas de amigos e familiares que acham que sou muito exigente comigo mesma, que não preciso estudar tanto, trabalhar tanto, fazer tantos cursos, aperfeiçoar-me tanto, ler tanto... e esperar o mesmo "tanto" dos outros...
Bem, definitivamente, ainda estou muuuito longe de estar acima da "média", mas tenho certeza que jamais me contentarei com a mediocridade...

(Ai, olha só, escrevi isto e agora fiquei com medo de ser tachada de arrogante!!!)

Vamos ao texto:



Preparados para perder
Gustavo Ioschepe

"No mês de julho, foram disputados outros Jogos Olímpicos: os escolares. Tivemos as Olimpíadas de Química, Física, Matemática e Biologia. Das 142 medalhas de ouro distribuídas nessas competições, o Brasil ganhou... zero."

O Brasil foi excepcionalmente bem nos últimos Jogos Olímpicos. Com catorze medalhas de ouro, ficamos em 14º lugar – destaque para o nadador Clodoaldo Silva, seis ouros. Infelizmente falamos da Paraolimpíada de Atenas, já que na última Olimpíada convencional o Brasil teve desempenho pífio: três ouros, 23ª posição, atrás de países como Jamaica, Quênia e Etiópia. Creio que essa diferença de performance entre os dois tipos de competição não seja totalmente acidental.


As razões costumeiras não parecem explicar bem os motivos do nosso fracasso. O primeiro vilão apontado é a nossa pobreza. Mas o Brasil é hoje a décima economia do mundo, não a 23ª.

A segunda razão comumente apontada é o pouco investimento em esporte no país. Em 2008, não foi o caso. Segundo a Folha de S. Paulo, apenas o governo federal investiu 1,2 bilhão de reais em esportes olímpicos desde Atenas. Sem incluir o orçamento de fontes próprias do COB, esse valor significaria um custo de 400 milhões de reais por ouro. O custo do Comitê Olímpico americano – financiado basicamente sem dinheiro público – foi de 32 milhões de reais por ouro.

A impressão que ficou de nossos atletas é que seus fracassos se deveram mais a questões psicológicas do que financeiras ou estruturais. E isso importa não por causa da Olimpíada, que tem valor apenas simbólico, mas porque essa mentalidade se reproduz em toda a vida nacional, com conseqüências reais.

No mês de julho, foram disputados os Jogos Olímpicos escolares: Química, Física, Matemática e Biologia. Das 142 medalhas de ouro distribuídas nessas competições, o Brasil ganhou... zero.



Não temos apenas carências materiais a nos complicar a vida: temos uma cultura que abomina a competitividade, desconfia dos vitoriosos e simpatiza com os fracassados. Quando o nadador César Cielo, não por acaso treinado nos EUA, declarou que iria em busca do ouro, o desconforto dos comentaristas televisivos foi audível: muita saliva gasta para deixar bem claro que se tratava de "autoconfiança" e não "arrogância". Porque melhor um bronze humilde do que um ouro arrogante! Se Michael Phelps tivesse nascido no Brasil, seria provavelmente exilado ao declarar a intenção de bater o recorde de medalhas em uma Olimpíada. Só num país de perdedores uma classificação para final olímpica é vista como "garantia de prata", e não uma chance de 50% de ouro. Só no Brasil se ouvem atletas dizendo que o bronze valeu ouro, só aqui se vê um chororô constante e público de favoritos que foram vencidos por seus nervos. Só aqui um atleta como Diego Hypólito, depois de cair sentado em sua competição e ainda ter a pachorra de culpar os céus ("Deus não quis. Deus decidiu isso."), é recebido com festa e escola de samba. Nós nos preocupamos mais em ser campeões morais do que campeões de fato. Valorizamos o esforço mais do que o resultado. Acreditamos que o sofrimento do percurso redime o fracasso da chegada, ao contrário dos países que dão certo, em que o sucesso do resultado é que redime o sofrimento do percurso.



As desigualdades que se acentuaram ao longo de governos autoritários parecem ter originado a idéia estapafúrdia de que, em uma democracia, os cidadãos devem ser iguais. Não tratados da mesma maneira: pelo contrário, tratados de maneira desigual, para que no resultado final se estabeleça a igualdade. Como é impossível elevar todos aos píncaros da glória, já que as aptidões individuais são diferentes, o objetivo passa a ser a mediocrização total. Por isso a palavra-chave dos tempos que correm é a "inclusão", e não o "mérito": para trazer todos à média, é preciso focar a atenção nos deficientes e ignorar – quando não reprimir – os talentosos.

Esse é sem dúvida um traço cultural, difuso, do brasileiro. Mas não há dúvida quanto ao locus no qual essa mentalidade é mais amplamente difundida e inculcada: a nossa escola. Há leis sobre o acolhimento de crianças com deficiências físicas e mentais na sala de aula; há preocupação com a questão dos excluídos no programa de livros didáticos do MEC, até da área de ciências. Mas não existe nenhuma preocupação oficial com a identificação e o desenvolvimento daquilo que o país tem de mais precioso: grandes mentes. Pelo contrário: quando esses esforços existem, normalmente vindos da iniciativa privada, são rechaçados pelos políticos dos mais diversos matizes. Quando uma ONG chamada Ismart, capitaneada por Marcel Telles, quis institucionalizar seu programa de bolsas a jovens talentos pobres de São Paulo, ouviu do então secretário estadual, Gabriel Chalita, que o instituto estava proibido de aplicar suas provas na rede estadual para descobrir os talentos e também de divulgar a iniciativa. Caberia à secretaria, com seus métodos e em privado, identificar os candidatos. Na secretaria municipal da gestão Marta Suplicy a recomendação foi mais direta: se havia uma preocupação com os alunos fora de série, por que não focar naqueles com síndrome de Down? Não é por acaso que o nosso censo escolar identifica míseros 2 553 alunos superdotados em um universo de 56 milhões de estudantes da educação básica: é preciso uma cegueira proposital para ver tão pouco.



A ojeriza à meritocracia em nossas escolas vem sob a desculpa de que a competitividade pode causar profundos danos à psique das crianças. Um sistema educacional como o chinês, em que os melhores alunos de cada sala são identificados publicamente – em algumas escolas, através do uso de lenços coloridos – e posteriormente transferidos às melhores escolas, desperta em nossos professores os seus instintos mais primitivos. Freqüentemente ouve-se que sistemas assim levam as crianças ao suicídio, depressão etc. É a senha para que criemos uma escola inclusiva, afetiva, que cria seres felizes e éticos. É uma empulhação sem tamanho. A literatura empírica educacional aponta o benefício de o aluno fazer dever de casa e ser avaliado constantemente, por exemplo. Práticas malvistas por nossos professores, porque supostamente significariam acabar com o componente lúdico da infância e, com certeza, roubariam o tempo lúdico do professor. Pior ainda: a suposta escola do afeto e da felicidade produz muito mais miséria, e por período bem mais longo de tempo, do que as agruras de um sistema meritocrático que premia o trabalho. O que é melhor: "sofrer" por algumas horas por dia na infância estudando com afinco e ter uma vida próspera e digna ou passar a juventude em brincadeiras e amargurar toda uma vida na humilhação do analfabetismo, do subemprego e da pobreza? Qual a sociedade que produz menos violência e infelicidade: aquelas em que os alunos brincam ou aquelas em que estudam?

Enquanto prepararmos a futura geração para que escolha entre o sucesso e a felicidade, o Brasil permanecerá sem os dois.


3 comentários:

  1. Oi Fá...
    Passei por aqui pra dizer que estou com saudades...
    Lendo o seu post, sobre o artigo do Gustavo Ioschpe, me fez lembrar como a mídia influência em nossa vida e opiniões. Pra dizer o que penso desse artigo escrito pelo Gustavo, relato algo interessante. Tive o (des)prazer de vê-lo em um congresso de Educação, no qual foi direcionado para Diretores e Mantenedores de escolas particulares. Inúmeras coisas que ele disse sobre a gestão escolar, no caso, o que dá certo e o que não dá para melhoria do desempenho acadêmico.
    Na palestra, dois itens do que "não dá certo" e que ele considera estatisticamente insignificante, me assustou bastante.
    Primeiro:"Cursos de treinamentos(capacitação)para professores" Ele disse que não dá certo, que é investimento jogado fora! Então ferrou, porque faço cursos e treinamentos para atualizar meus conhecimentos acreditando em melhoria e aperfeição. Voltando, de contra partida, ele diz: "Mestrado e doutorado para professores de educação básica" Já pensou que beleza, a pergunta seria com quantos anos esse professor começaria dar aulas? Ou melhor, o que esse professor iria fazer da vida pra se manter? Ser ambulante ou dar palestra sobre educação? é acho que ser ambulante é legal.
    Segundo "Remuneração de professor, professor não ganha mal" Ricardo Miyake que o diga! É...o Gustavo sabe das coisas, paga-se muito bem...por essa razão, existe professor dando aula em duas, três ou até quatro escolas, ou trabalhando como "freelancers" em editoras.
    Outra coisa que eu lembrei, quando ele disse que: "A escola precisa ter critérios para a contratação de bons professores, por exemplo; o nível de seletividade da faculdade", Imagina no nosso caso, que não somos formadas pelas faculdades estaduais e fedarais da vida...Se a faculdade que cursamos for classificada "ruim", significa que somos profissionais ruins???
    Ele disse muito mais coisas, além de apresentar os gráficos do SAEB, UNESCO, INEP, e diabo a quatro.
    Ao meu ver, a realidade dele é bem diferente daquilo que ele escreve. Alguém que passou grande parte de sua vida estudando em escolas particulares e fez sua graduação fora do país, (detalhe, formado em economia), é muito fácil chegar aqui com discurso redondinho apontando as falhas da educação brasileira.
    Considerando, que seus dados são baseados em estatisticas e gráficos, (e pra ser bem sincera, fica bem bonitinho no power point), falar o que funciona dentro e fora de uma sala de aula, sem se quer ter vivênciado o dia-a-dia, é uma agressão verbal pra quem realmente é da área de educação.
    Mas eu entendo, fazer palestra em estatísticas e tornar-se especialista disso ou daquilo nos EUA é pódio pra medalha de ouro.

    Fá...é melhor eu parar senão terei pesadelos a noite!!..rsrs
    Deixei um link que fala do garoto prodígio..
    beijos,
    Kátia

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  2. Oi Katia,
    gostei muito do seu comentário e fico muito grata por sua visitinha aqui. Em relação a tudo que você escreveu sobre a educação brasileira nos dias atuais, eu concordo em gênero, número e grau. Aliás, acho que você sabe como eu vejo e o que penso sobre isso. Infelizmente, como não assisti a referida palestra de que você fala, não tenho meios para julgar o Gustavo Iochepe.
    A razão da publicação deste texto aqui vai muito além de toda esta discussão que há (e que nós enquanto professores estamos cansados de discutir!) sobre o que seria a salvação da educação; que programa, método, lei, seria capaz de levar (ou elevar) a educação brasileira aos primeiros lugares em todas essas siglas que você citou. A questão, para mim, não é essa. Tudo que vier imposto "de cima" tem grande chance de não funcionar.
    O que é preciso, e é isso que fica claro no texto do autor, é uma mudança individual, de cada um, na forma de ver as coisas. É por isso que este texto me chamou tanto a atenção. Independente de ter sido publicado na Veja, de ter sido escrito por Gustavo Iochepe, que tantos criticam, acho que textos assim precisam circular.
    E quando eu disse que deveria ser lido principalmente por professores, é porque eu ainda acredito que podemos influenciar de alguma maneira. Enquanto continuarmos nivelando por baixo, aceitando mediocridades por medo de exigir o quanto nossos alunos podem dar de si, a educação não vai melhorar.
    Só que é claro que esse exigir do aluno algo melhor, é também um exigir de si próprio, um sair do lugar comum, do comodismo e aí, bem, nem preciso dizer, né.

    Beijinhos!

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  3. O problem do Gustavo é, como disse a Kátia, não ter a menor noção concreta da realidade sobre a qual ele fala. De resto, se eu ganhasse o que ele ganha na Veja para escrever o que ele escreve, talvez fizesse o mesmo. Afinal, todo mundo tem seu grau de canalhice...hehehe!

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